Uma rápida busca pela internet vai mostrar vários artigos sobre o chá – bebida milenar originária da Ásia –, indicando uma procura crescente e visível por chás especiais no Brasil. Como disse um conhecido meu, estamos presenciando o fenômeno de “gourmetização” dos chás, similar ao que já ocorreu com os cafés e as cervejas especiais.
O chá pode apresentar uma gama de aromas e sabores tão complexa e fascinante como o vinho, o café e a cerveja, além de ser a bebida mais consumida no mundo, depois da água, por incrível que isso possa parecer para nós no ocidente.
Entretanto, apesar dessa recente avidez por novidades e do crescimento do mercado, o consumo de chás especiais ainda é bastante restrito a um pequeno nicho de consumidores. O grande público ainda confunde chá com outras infusões e muitas vezes o associa com remédio. Quem não tem uma receita de chazinho para resfriado ou para algum mal de saúde?
1) Chá versus tisana
O chá é a infusão feita com brotos, folhas e/ou caules da planta Camellia sinensis, da mesma família que a camélia ornamental (Camellia japonica) – aquela que inspirou o famoso romance A Dama das Camélias, do Dumas, lembra?
Como diz o nome – sinensis – a planta é originária da China, assim como a prática de se fazer infusão com as suas folhas. Os primeiros registros históricos e arqueológicos dessa bebida datam de cerca de 2000 anos atrás, ao passo que há lendas que mencionam que ela teria surgido há 5000 anos.
O chá é composto principalmente por antioxidantes (polifenóis e flavonoides), aminoácidos (teanina) e alcaloides (teína ou cafeína) e possui efeito calmante sem ser sedativo, mantendo a mente alerta, o que o torna muito apropriado para práticas de meditação. Por causa disso, a disseminação do chá pela Ásia, ao longo dos séculos, se deu graças aos monges budistas, que o utilizavam durante suas longas meditações.
Já a tisana é a infusão feita com outras plantas, muitas delas medicinais e muitas sem cafeína. Popularmente chamamos essas tisanas de infusões herbais ou de chás, tais como chá de hortelã, camomila, erva-cidreira, mate, rooibos, etc.
Como a língua é algo dinâmico, acabou-se por estender a utilização da palavra “chá” – que originalmente designava somente a infusão da Camellia sinensis – para as outras infusões herbais. Porém, no jargão técnico, essas infusões não são consideradas chá.
2) Famílias de chás
A partir dessa mesma planta – Camellia sinensis – é possível produzir seis grandes famílias de chás, com base na técnica de processamento que resulta em graus diversos de oxidação (causada por processo enzimático) e de fermentação (causada por microrganismos) das folhas.
- Chá branco: é o chá menos processado de todos e apresenta um grau de oxidação entre 1 e 2%;
- Chá verde: chá não oxidado;
- Chá amarelo: chá não oxidado que, porém, sofre ligeira fermentação;
- Chá oolong (ou chá azul): chá semioxidado, entre 12% e 80% de oxidação;
- Chá preto (ou chá vermelho): chá 100% oxidado;
- Chá escuro: chá fermentado, probiótico. O processo de fermentação também o torna oxidado. Um tipo de chá famoso dentro dessa categoria é o Pu-erh.
Dentro dessas famílias há milhares de variações baseadas em diversos fatores, tais como: variedades e subvariedades da planta – equivalente às castas de uvas para vinho –; variações nos métodos de produção (formatos de enrolamento das folhas; blending; etc.); terroir – decisões de plantio, poda e colheita –; flora e fauna local; solo e clima; etc.
Tudo ocorre exatamente como no caso dos vinhos. Inclusive é possível traçar um paralelo entre alguns chás e os vinhos botritizados, o vinho Madeira e o passito, assim como entre os tipos de chás e os vinhos varietais versus vinhos de corte.
3) Chás especiais versus industriais
Os chás especiais são produzidos com o método ortodoxo, ou seja, de forma artesanal – totalmente ou parcialmente feito à mão –, tentando preservar a integridade da folha. Além disso, existe a preocupação de se utilizarem brotos ou folhas bem jovens e cheias de nutrientes.
Normalmente esses chás são comercializados a granel ou até em saquinhos triangulares transparentes de nylon, de modo que se possa certificar a regularidade e a integridade das folhas e liberar o aroma e sabor vagarosamente, permitindo várias infusões. Muitos são chás de terroir, de origem controlada, que são facilmente reconhecidos pela coloração, pelo formato das folhas, aroma e sabor típicos.
Já os chás industriais são os vendidos como commodity, produzidos por máquinas industriais. Não há a mesma preocupação na seleção das melhores folhas e normalmente são vendidos em saquinhos de papel contendo folhas cortadas, trituradas e/ou moídas, que liberam o sabor rapidamente. O aroma e sabor são de qualidade inferior.
4) Forma de preparo de um bom chá
É nesse quesito em que a falta de informação do público geral causa mais danos à reputação do chá. Um chá mal preparado terá sabor extremamente amargo e adstringente ou, no extremo oposto, ficará sem sabor. Sendo uma bebida muito sutil que requer paladar aguçado, a precisão no preparo é um fator crucial.
Variáveis que afetam a qualidade do chá:
- Qualidade das folhas do chá: não é possível se preparar um bom chá sem ter boa matéria-prima. Uma boa seleção das folhas do chá é o primeiro passo para se obter uma ótima xícara de chá;
- Qualidade da água: a água utilizada precisa ser a mais neutra possível para não arruinar o sabor da infusão – o que envolve tanto o pH como a quantidade dos minerais;
- Quantidades: a proporção entre folhas e água é outro fator que afeta o sabor do chá. Quanto mais folhas, mais concentrada será a infusão final;
- Temperatura: via de regra, quase nunca se deve utilizar água fervente para a primeira infusão de chá, senão ela ficará amarga. Para as outras infusões depende muito. Além disso, certas famílias de chás requerem temperaturas mais baixas do que outras. Por exemplo, os chás verdes, amarelos e brancos pedem temperaturas mais baixas do que os oolongs, pretos e escuros;
- Tempo: quanto mais quente a água, menos tempo deve-se deixar as folhas em infusão. Da mesma forma, quanto mais folhas, menos tempo;
- Utensílios: a escolha de utensílios também influencia a experiência sensorial final. Seria o mesmo que comparar tomar champanhe em uma taça flute e em um copo de plástico. Qual das duas alternativas você prefere?
Normalmente o produtor coloca na embalagem sua sugestão de preparo, porém cada pessoa possui suas preferências e pode e deve testar proporções diversas até chegar ao seu sabor ideal.
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