A criatividade se expressa por meio de pensamentos e de sua expressão. O ser humano se diferencia dos demais animais justamente pela capacidade de ter ideias criativas, que podem posteriormente materializar-se.
O processo mental está dividido em duas partes: mente criativa e mente cotidiana, esta ligada à estruturação e à aplicação das ideias. A mente criativa exige elaboração de novas ideias, tomando conta de nossos pensamentos, enquanto a cotidiana traz estabilidade e prefere a ação ao pensamento, sendo que a ação cotidiana não é criativa, mas motora. A equação é a seguinte: quanto mais pensarmos sobre o cotidiano, menos espaço mental teremos para exercitar a criatividade. Por isso, antes de aprender a pensar criativamente, é fundamental nos libertarmos do pensamento cotidiano, cuja presença é facilmente detectável na fala.
O cotidiano possui um lugar específico no corpo físico: o ponto Hara. O Hara, que significa “barriga” em japonês, localiza-se internamente 4 cm abaixo do umbigo (no adulto). Ele pode ser visualizado como uma caixinha na qual os pensamentos do cotidiano são depositados, como uma meditação. No entanto, essa transferência não significa estagnação, muito pelo contrário. O ponto Hara tem poder de ignição, pois, ao fortalecer a estabilidade dos pés, cria o impulso necessário para que as situações, à medida que apareçam, sejam resolvidas.
Mandamos ao Hara tanto os pensamentos cotidianos quanto os problemas que não podem ser solucionados por nós mesmos. Quando surgem pensamentos sobre o que já foi criado, eles precisam ser logo direcionados para o seu lar. Assim, se estes estão no Hara, a vontade de agir aparece, e as pendências começam a ser resolvidas (nesse estágio, todo o processo já é nosso velho conhecido, por isso não é preciso mais ponderar o assunto). No caso da impossibilidade de agir, o que acontece quando o problema não tem nada a ver com nós mesmos ou quando somos incapazes de fazer algo por ele (a espera de uma resposta, por exemplo), o pensamento, transferido ao Hara, é eliminado como um raio, desviando-se para terra. Confiar na existência do Hara, portanto, é passo fundamental para o despertar da criatividade: com espaço livre, a mente começa a criar.
O segundo passo é desvelar o pensamento abstrato, ao qual, por seu aspecto de ineditismo, a criatividade está muito ligada. Ao nascerem, as ideias ainda não têm nenhuma realidade, ou seja, não possuem aplicabilidade imediata. Nesse momento, a liberdade de expressão é requisito básico, tanto externa quanto interna. E o mais curioso é que a falta da liberdade interna é muitas vezes pior do que a externa. Conceitos predeterminados impedem a presença de ideias inéditas, dando lugar às previsíveis, que pertencem ao cotidiano. Enquanto a previsibilidade reinar, a criatividade passará longe. Desse modo, só conceitos de ampla abrangência serão passíveis de aceitar a inclusão de novos dados, não se limitando aos já conhecidos e aceitos. Ideias inéditas conseguem dar novos rumos ao pensamento dos homens.
O pensamento abstrato é demasiado valioso exatamente por seu caráter inaugural. A partir dele, surgem alternativas reais de mudança, que, uma vez elaboradas, estão prontas para realização, porém, apenas uma delas deverá ser realizada, o que define o passo seguinte do processo.
O momento de escolha está relacionado com a capacidade de síntese, que permite passar de várias alternativas para uma bem definida e perfeitamente aplicável a determinado local físico. Isso exige, em primeiro lugar, a percepção objetiva desse local. Capacidade de análise também ajuda muito. Assim, ambos os pensamentos, sintético e analítico, permitem que a ideia seja minuciosamente exposta, de modo que ela comece a ser amarrada a um local e a ser utilizada adequadamente. Essa etapa envolve lógica, sedução e poder de convencimento, tornando a ideia conhecida, familiar. Daí já não se trata de criatividade abstrata, mas concreta. Deste ponto em diante, a ideia passa a ser concretizada até tornar-se um produto independente.
Como já vimos na Revista Solaris, a criatividade é um processo sensível a problemas, a deficiências, a lacunas no conhecimento, a desarmonias, ou seja, ela identifica dificuldades e busca soluções, formulando e testando hipóteses para, finalmente, comunicar os resultados. Ademais, a criatividade pode surgir de fatos. Os analistas, bem como os jornalistas, utilizam muito essa possibilidade (normalmente expressa na fala). Esse tipo de criação é muito interessante, pois ela expressa algo novo com base em fatos bastante conhecidos por todos, exigindo espontaneidade e capacidade de ouvir e de ser ouvido. Um ótimo exemplo são os exímios contadores de piadas e histórias. É a arte de lidar com o verbo, que tem o poder de destacar uma pessoa em qualquer ambiente, conhecido ou desconhecido. A criatividade nascida de fatos é sempre baseada em algo familiar, sem a necessidade de nenhum esforço mental para entendê-lo e aderi-lo ao desejo. Já a criatividade abstrata exige muito esforço para a compreensão e a aprovação da nova ideia.
Está claro que existem diversos tipos, ou estágios, de criatividade, da abstrata à concreta, e que o processo de realização envolve várias etapas (detalhadas no artigo Criatividade): perceber o problema, detectar alternativas, escolher uma delas, concretizá-la e, por fim, libertá-la para o mundo. Mas uma coisa é certa: enquanto nossas mentes estiverem ocupadas com o dia a dia (que deve ser realizado, e não pensado), não será possível aportar nas sutilezas desse processo tão humano.