A culpa traz uma emoção incômoda, conflituosa, um sentimento de remorso pelo descumprimento de alguma norma ou por alguma ofensa cometida, real ou imaginada. Essa sensação faz parte da nossa consciência, condenando-nos por ações e pensamentos. A culpa é o lado “negativo” do arcano 8 do tarô, chamado “A Justiça”. Seu lado positivo possibilita que o ser humano viva de acordo com as leis e regras que organizam e disciplinam a sociedade, definindo sua existência.
Quando se trata de normas sociais, cujo cumprimento é zelado pela Justiça, a culpa está predefinida: é qualificada e quantificada. Nem sempre aquele que transgride alguma lei da sociedade sente-se culpado disso. Mas não faz diferença, pois a lei, se em pleno funcionamento, não o perdoa e aplica-lhe uma pena. A punição, em tese, permite que essa pessoa se corrija e nunca mais repita o erro que cometeu.
Mas o que acontece quando as leis transgredidas são individuais, isto é, relevantes para a vida privada, e não para a da sociedade? Nesse caso, a culpa sempre aparece.
Ao participar de uma situação com um desfecho desastroso, uma pessoa tem três atitudes a tomar. A primeira é assumir toda a culpa do erro. Então, carregar esse sentimento torna-se tão pesado que, pelo medo de o insucesso se repetir, a pessoa não consegue integrar-se a novos processos. A segunda atitude é fugir do problema, esperando que alguém o resolva no seu lugar, pois o resultado insatisfatório é inteiramente justificado pelos erros alheios (a culpa é toda do outro). Essa postura é tão paralisante quanto a outra, pois, com tal perspectiva, qualquer ação individual fica impossibilitada. A tendência de empurrar a solução das dificuldades aos outros vira muitas vezes um padrão de comportamento, e o indivíduo não realiza mais nada. Vale notar: assumir o próprio erro significa assumir a responsabilidade por sua vida, significa aceitar a própria individualidade e existência. Mas, felizmente, existe a terceira possibilidade de reação diante de um revés: perceber o fato com objetividade e seguir adiante com o que ele possibilitou de aprendizado. Em outras palavras, é possível definir o que deve e o que pode ser mudado para que o cenário desastroso não volte a se delinear.
Viver com culpa pode gerar um sofrimento penoso e que se intensifica muito com o passar do tempo, é uma prisão perpétua. Tentar silenciar essa sensação é também inútil, pois ela é teimosa e fica matraqueando nos ouvidos. O que fazer, então? Devemos nos aproximar da culpa, entendendo o que se passa por trás dela, mas não carregá-la ao longo da vida. É fundamental tentarmos fazer uma avaliação abrangente, o que implica, inclusive, perceber que uma situação nunca é criada apenas por uma pessoa (muitas vezes somos meros coadjuvantes). Apelações ou lamúrias também não resolvem, são sintomáticas. Só a compreensão do fato que nos levou ao “crime” pode trazer a motivação necessária para mudar a situação em definitivo.
Uma das máximas solarianas diz que “o passado é perfeito”, ou seja, acabado, imutável. Fizemos o que podíamos em certa situação, mas podemos fazer diferente na próxima. Admitimos que algo saiu errado e partimos para o desfecho do problema, o que inclui o cumprimento de uma “pena” e a concessão de perdões, tanto a nós mesmos quanto às pessoas que nos ofenderam e às que foram por nós ofendidas. Pois não adianta apenas compreendermos a situação e prometermos mudá-la, esse é apenas o primeiro passo. Para nos livrarmos de vez dos grilhões, é essencial cumprir a “pena” (auto)imposta, sem nenhum vacilo na execução, ou o problema sem falta será reprisado e ainda gerará novos e maiores sentimentos de culpa.
A realização dessa punição define também uma espécie de prisão, mas agora com prazo determinado e com regras bem definidas. Nesse caso, só há um comportamento eficaz: a disciplina. Então voltamos ao arcano 8, que lida com método e esforço. Com uma ação direcionada, a culpa finalmente cede, e há um grande salto de vida.
Outro dia li uma anedota que vem a calhar. Um sujeito conta a outro que faz 20 anos que ele vive corretamente: levanta cedo, faz ginástica, come alimentos saudáveis, dorme oito horas por dia, etc. Então o interlocutor pergunta: mas que crime você cometeu? De fato, qualquer mudança só é viável pela “prisão” da disciplina, que não existe sem leis restritivas. No entanto, essas leis organizam a vida e, por fim, nos libertam. A obediência e a dedicação a elas superam qualquer culpa e fazem um milagre: transformam tudo o que esse sentimento gerou numa bênção. Por trazer uma ação construtiva, a disciplina nos ajuda a assumir a responsabilidade que nos cabe e a combater qualquer tipo de remorso. E com a segurança de não reincidir em velhos erros, a vida muda inteiramente, e para melhor.
Viver com culpa é tentar resgatar uma situação passada sem nenhuma ação corretiva. A realidade em questão foi criada, e nós fomos seus participantes: não há como negá-la, assumi-la solitariamente ou retirar-se completamente dela. Mas sempre podemos nos posicionar de outra maneira e agir. O arcano 8, A Justiça, tem relação com leis, crimes e castigos, mas isso não quer dizer que precisamos viver aprisionados. Ao contrário, o arcano nos mostra que temos a chance de trabalhar nossos erros com compreensão e disciplina. É o preço da liberdade.