Em São Paulo, em novembro, encontrei um livro de contos do Fernando Sabino, um dos escritores favoritos do meu pai. O primeiro conta uma história louquíssima, de uma tempestade em alto-mar que ele e a família enfrentaram, com mesa arrastando de um lado para outro num navio que teve de voltar ao porto, quase afundou. Resolvi escrever contos esses anos. Pensei que provavelmente não teria algo tão dramático para contar de saída, mas estava enganada.
No fim de tarde de uma segunda-feira, apareceu um paciente na clínica em que sou diretora, bonitão e metido. Comentei com a recepcionista: metido, não? Sim, metido. Ouvi ele mencionar um incêndio no Palisades, uma vizinhança que conheço bem, fica no fim do Sunset Boulevard, quase no oceano Pacífico. Um pouco mais tarde chegou outro paciente, atrasado, pediu desculpas pelo atraso, ficou preso no trânsito do incêndio no Palisades. “Tá sério lá?”, perguntei. “Muito…” Às 8 da noite, não havia uma pessoa na cidade que não soubesse sobre o fogo. Já havia destruído 500 casas. Na manhã seguinte, quando entrei no banheiro, senti a gravidade da situação; o cheiro de fumaça que entrava pela janela era um horror. O céu estava amarelo, cinza e vermelho ao mesmo tempo, pesado.
Troquei um olhar de tragédia com a recepcionista ao chegar no trabalho. Trancamos a porta pare evitar o vento e o ar ruim.
Cenas de desespero de pessoas presas em congestionamento deixando os carros para trás, fogo queimando e se alastrando, cenas que pareciam bombardeios de guerra, inacreditáveis.
Foram 3 dias de alerta total. A qualquer momento poderia ter evacuação.
No fim da tarde da quarta-feira, no trabalho recebi uma mensagem no sistema telefônico digital: “Cancele minha consulta. Perdi minha casa no incêndio”.
Em 2016 tivemos um incêndio na clínica, não por fogo selvagem, nada grave, mas com perda de equipamento. Demorou 2 anos para recebermos o pagamento da companhia de seguro, isso depois de muita briga. Quero ver o desenrolar da história dessas 12 mil famílias que perderam a casa neste incêndio.
O reservatório que serve à região de Los Angeles estava seco; não foi à toa que fiquei amiga do então deputado estadual, agora federal, que tem como missão expor a irresponsabilidade dos dirigentes do nosso Estado.