Ela fechou a porta e suspirou.
Que alegria!! Pela primeira vez na vida, em seus 40 anos de idade, ela tinha casa própria!
O apartamento era pequeno, mas para quem estava acostumada a quartos alugados em casa de outros os 33 metros quadrados todinhos dela eram um castelo, o castelo de Ingrid!
Ela se lembrou de Alfredo, o senhor que a ajudou na mudança. Ajuda?… trabalhei dobrado para compensar a idade dele… Alfredo contou do filho que morreu, vítima de uma gangue de El Salvador… Ingrid chacoalhou a cabeça, mas logo se esqueceu do ocorrido e deslumbrou-se com o espaço a sua frente. As paredes branquinhas, as cortinhas novinhas, o carpete limpinho, e ela tinha sofá! Um presente da chefa, a patroa de Alfredo. Ingrid empurrou o sofá, desenrolou o futon, sua “cama”, e caiu em cima dele. O dia tinha sido corrido, como dias de mudança costumam ser. Esticou as pernas, esticou os braços sentiu o corpo relax… missão cumprida.
CLANK!
Que barulho?
Olhou pela janela, só árvores…
Levantou, passeou pela cozinha, inspecionou a geladeira limpinha, novinha,
Clank!! Clank!!
O barulho de novo, dessa vez mais alto.
Ligou o fogo do fogão. Procurou por uma panela nos armários, não encontrou. Ela sabia que não tinha panela…
Foi ao banheiro. O rosa e verde claro dos azulejos lembrava cores dos anos 50, um charme! Sim, um banho de banheira! Correu para procurar a toalha dentro da mala gigantesca, vermelha, made in China, arrebentada com a mudança, onde estavam todos os seus bens… fotos, cadernos, roupas, duas toalhas…
Foi então que o sonho acabou. E o filme de terror começou…
O barulho triplicou, quintuplicou, sextuplicou, barulho por todos os lados. Horrorizada, Ingrid percebeu que escutava os passos dos vizinhos, as falas dos vizinhos, os suspiros dos vizinhos, era do lado, de cima, da escada. Atônita, pegou a carteira e saiu para tomar um café.