A Índia não é um país trivial. E escuto opiniões completamente diversas quando digo que eu e meu marido decidimos viver um tempo aqui: “Nossa, que experiência”, “Eu não iria, mas admiro”, “E como você vai lidar com uma cultura tão diferente?”… E estar na Índia como turista não se compara a viver aqui. Se deslocar no trânsito, lidar com as chuvas durante as monções, com a língua, com as quedas de luz, com o calor, com a comida, e por aí vai. Mas, se positivarmos todos os aspectos, realmente tudo vira aprendizado, no sentido mais extremo da palavra: “adquirir habilidade prática em algo”.
1. A exploração extrema de um povo pode provocar um sentimento de inferioridade quase irreversível
Ao chegar na Índia, querendo ou não, você começa a construir relações desde o primeiro momento. É um país onde as pessoas se relacionam de maneira amigável. Porém, é um tipo de relação altamente impactada pela maneira como foram tratados por muitos anos. Isso se percebe na maneira de se dirigir a alguém, na forma de construir uma frase ou conjugar um verbo. A conjugação pode ser com mais ou menos respeito. Pode ser chamando uma mulher de “Mada’m” ou um homem de “Sir”, ou simplesmente um “você”. É assim dentro de casa, no trabalho, na rua. E é altamente influenciada pela maneira como as pessoas se vestem, onde vivem, o cargo que ocupam na empresa. É terrível esse sentimento, mas na Índia eu sou chamada de “Mada’m”. E não adianta eu pedir “por favor, me chame pelo meu nome”. Nada se altera.
Conseguem imaginar o quanto esse povo foi maltratado e inferiorizado pelas nações colonizadoras para que até hoje esse costume ou “obrigação” persista? Imagino que essa questão vai se dissolver ao longo de gerações, mas ainda não estamos lá. Tenho pensado muito em como posso reverter isso nas relações que construí até agora, mas ainda não tenho respostas.
2. Pobreza não é sinal de violência
Você pode andar na rua com seu celular mais novo e ninguém vai tirá-lo da sua mão ou bater sua carteira. Se as pessoas têm fome, elas te pedem. Alguns dizem que é a fé de que, no final, tudo vai dar certo e a extrema confiança na vida e no ser humano. Você pode sentir insegurança pela maneira como a comida de rua é feita, pela água pouco tratada, mas não por armas e medo da violência provocada por outros seres humanos. A “verdade” de que as pessoas assaltam porque têm fome não se aplica à Índia.
3. O respeito à fé do outro vem antes da intolerância religiosa
Diversas religiões em um mesmo espaço. Templos hindus, mesquitas muçulmanas, templos budistas, igrejas católicas, templos zoroastritas, templos sikhs. Todos na mesma cidade, alguns dentro do mesmo bairro. Cada um praticando a sua religião, vestido de maneira adequada a sua fé. Eles se respeitam entre eles.
4. A confiança extrema no ser humano garante a própria vida (e a dos outros)
Quem já experimentou dirigir no trânsito de Mumbai sabe que não é tarefa fácil. Existem menos faróis do que o necessário, a faixa de pedestre é simbólica, existem muitos tipos de transportes em uma mesma avenida, mais pessoas em um único transporte do que o permitido (por exemplo, uma família inteira em uma moto). E os pedestres atravessam a rua na frente de um veículo sem medo de morrer. Mesmo assim, quase não existem acidentes fatais. Os veículos quase batem (ou batem de leve), mas quase nunca existem grandes acidentes. Tudo isso torna o trânsito caótico, mas não é um trânsito violento. Já me contaram que confiam uns nos outros, que confiam na vida. E isso molda totalmente o comportamento de mobilidade na Índia.
5. Um povo que se orgulha da sua cultura e de quem gosta deles
Acredito que esse ponto esteja muito ligado ao ponto 1. Quando tento expressar as poucas palavras que aprendi em híndi ou quando conto que gosto do país e por isso já estive outras vezes aqui, que pratico yoga há muitos anos, eles sempre abrem um sorriso. Ficam realmente muito felizes por existirem pessoas que estão interessadas em conhecê-los mais, aprender sobre a cultura. Você se sente especial por ser especial para eles.
6. O indiano caminha no próprio ritmo e “get the things done” ao mesmo tempo
Os brasileiros estão acostumados a alguns atrasos, a ausências inesperadas dos prestadores de serviços. Na Índia isso não significa má intenção. Eles simplesmente andam no próprio ritmo. Mas em algum momento a tarefa será feita. Não adianta discutir, ficar bravo. E, se você brigar com eles, vão te responder com um sorriso e um humilde “sorry”. E no final você ainda vai se sentir mal. Respeite o ritmo indiano e tudo vai ficar bem.
7. A comunicação não depende apenas de uma língua
O indiano médio em geral mistura três línguas: híndi, inglês (com diferentes sotaques dentro do país) e mais alguma língua local (o marati ou o gujarati, por exemplo). Isso se soma aos balanços de cabeça, a um sonoro “hum” (que pode significar sim ou não), às vezes um sorriso, Namaste (que pode ser bem-vindo, obrigado), uns olhares questionadores, às vezes uma calculadora na mão, o Google Maps ou o Google Translate.
Comunicar-se na Índia é uma arte. Há que aprender a ler todos esses sinais para não perder nenhum detalhe. Vai levar um tempo, mas chego lá.
Vai ser fácil?
Não, não vai ser fácil. Mas minha hipótese é de que os brasileiros conseguem entender, se adaptar e por isso desmistificar mais facilmente essa cultura do que um europeu ou um americano. Somos hospitaleiros, gostamos de quem admira e respeita o Brasil, também convivemos com grandes diferenças de renda, temos muitos “Brasis” dentro do mesmo país, estamos acostumados com as adversidades. Lembram que aprender significa adquirir habilidade prática em algo? Pois então, cá estou eu tentando aprender na prática sobre essas e algumas outras questões com um povo tão diferente de mim, mas que ao mesmo tempo me intriga tanto (há anos) e por isso de alguma forma me sinto próxima dele.