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Perda do último elo

Acabo de ler um livro, presente de Sofia Mountian1, que muito me ajuda nesse momento que estou passando. Em busca de sentido, de Viktor Frankl2, da Editora Vozes.

Do meu núcleo familiar de origem (pai, mãe e quatro filhos), desde março último, resto apenas eu. O único irmão que ainda tinha se foi abruptamente, vítima de seu frágil coração.

O sofrimento que me envolveu veio junto com um imenso vazio. Aquele núcleo já não pode dividir comigo as vivências da vida. Independentemente do amor de todos os familiares (sobrinhos, primos e amigos), ninguém poderia me ajudar a lidar com esse vazio, com minha dor, ao perceber que meu chão sumiu.

Que novo sentido daria à minha vida agora? Então Frankl veio em minha ajuda citando Dostoiévski: “Temo somente uma coisa na Vida: Não ser digno dos meus tormentos”.

Estava, estou sendo? “Algo na vida espera por nós”, e aí me dei conta de que tinha (tenho) que ser digna da bênção maior de estar viva… com ou sem sofrimentos. Isso, por si só, me impele a elevar o meu nível de consciência e minha responsabilidade por minha vida e sua continuidade.

E nesse texto quero dividir com vocês minhas reflexões a partir desse livro.

Quero discutir o conceito de que “a pessoa pode ser privada de tudo, menos da possibilidade de assumir uma atitude alternativa, frente às condições dadas”. Sempre haverá uma alternativa de decisão sobre o momento presente; uma ação.

Cabe a cada um de nós decidir entre ser prisioneiro de nossas crenças dominantes, nossos hábitos e sucumbir, ou ser alguém que, mesmo em situação de sofrimento, permaneça humano e digno. Digo ser humano no ato solidário, gentil. Ser capaz de oferecer um colinho, um mimo ou mesmo dividir um banquinho a quem precisar.

Isso me faz lembrar de uma situação de ginásio: foi quando o diretor estava passando por mim, ao lado do jardim da escola, e, ao me ver, ofereceu uma flor, colhida na hora, e me disse: “Tome essa flor. Hoje estou triste e preciso fazer alguém feliz”. É uma ação clara de um ato de amor vindo de em sofrimento. Tenho esse momento gravado na Alma.

Além dos valores humanos, Frankl também traz como saída desse vazio o nosso lado Espiritual (nada a ver com religião). E essa liberdade espiritual ninguém pode nos roubar, mas, a cada um de nós, cabe conquistá-la.

De março até hoje é o que tenho praticado. Olhar para minha escuridão, meu vazio, e descobrir mais do que o “porquê” estou passando por isso. É descobrir “para quê” (o sentido) passo por ele. Aos poucos o “como” vai se apresentar e ficar menos difícil.

Onde este momento me levará? Quem me tornarei nesta passagem?

Sem um salto de consciência, diria que é impossível! Um grau de tensão entre o que eu era e o que virei a ser é bem-vindo neste caminho; me deixa alerta. Do contrário, estaria em tédio, desprovida de um sentido pelo qual valha a pena viver.

No caos atual, somos colocados à prova diariamente. Já não temos os amortecedores até então estabelecidos e que davam segurança ao indivíduo. Um exemplo são “as tradições que serviam de referência para o comportamento do Homem e que vêm diminuindo. A maioria não sabe nem o que fazer ou sequer o que deseja fazer e acaba fazendo o que os outros fazem ou o que os outros querem que ele faça”.

Que fique claro que a resposta a esse meu movimento de dor que venho vivenciando não tem nada de abstrato, volto a repetir: é necessário agir no presente. Essa ação é fruto do me conhecer.

Nessa descoberta a Teoria da Abrangência tem sido fundamental, por ser essencialmente prática e individual. O Eneagrama e a Matriz Multidimensional dão as ferramentas para essa ação. A partir daí tenho uma realização concreta e responsável para minha vida sendo quem sou.

Este “sentido” encontrado não é permanente, é dinâmico. A cada fase ele deve ser revisto; sempre que a minha realidade mudar e meu presente assim exigir. Fácil? Não, não tem sido. Mas venho preenchendo meu vazio com Amor e minha Espiritualidade.

Frankl termina dizendo: “o Mundo está numa situação ruim. Porém, tudo vai piorar ainda mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder. Fiquemos alerta, alerta em duplo sentido! Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser humano é capaz! Desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo”.

Bem, agora sou eu que termino sendo grata à Sofia pelo livro, por sua teoria e pelo amor que nos dedica. Espero poder levar um pouco de luz a quem dela precisar e à minha família de origem.

1 Sofia Mountian, fundadora do Instituto Solaris e criadora da Teoria da Abrangência.
2 Victor Frankl, foi psiquiatra, prisioneiro em campos de concentração e criador da “logoterapia”.

Lúcia Cordeiro
Psicóloga clínica, taróloga, cofundadora da ONG Solaris e mestre da Teoria da Abrangência do Instituto de Evolução Individual Solaris.
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