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Rosita

Encontrei no Instagram uma história curiosa. Uma senhora (não sei o nome, mas com aparência de alguém de mais de 60 anos) conta sobre uma vizinha de infância. Ela morava numa pequena cidade, Borjomi, localizada na Georgia1.

A vizinha se chamava Rosita. Bem-disposta, ativa e muito hospitaleira. Tinha 96 anos. Adorava receber visitas e sempre tinha café e bolo para oferecer.

Quando perguntavam como estava, ela respondia tranquilamente. “Eu estou muito bem, principalmente tendo você como minha visita. Conte as novidades. O que está acontecendo de interessante no mundo?”

Rosita era muito organizada, sempre planejava todas as suas atividades diárias. Não tinha preguiça, todos os dias rachava lenha e carregava baldes de água para sua casa.

Ela costumava comparar sua vida com a vida de uma criança. Para as crianças, os dias parecem passar muito rápido, pois elas são cheias de novidades, vindas de descobertas curiosas, embora insignificantes para os adultos. Já os dias de pessoas bem mais velhas parecem passar devagar, pois costumam ser monótonos, sem novos interesses. Ao mesmo tempo, os anos correm. Mal um ano começa, já se passa a metade, e, num piscar de olhos, termina.

O conselho da vovó Rosita foi muito simples. Procure introduzir novidades na sua rotina. No fim do dia, pergunte-se: “O que eu aprendi hoje?”.

Achei esta história marcante, porque essa mesma pergunta faz parte da rotina noturna diária do Solaris.

Nossa vida cotidiana provoca um fenômeno bastante complicado chamado “acomodação”. A acomodação dificulta ao máximo qualquer mudança, mantendo-nos presos às atividades cotidianas, que se tornam hábitos arraigados. Qualquer tentativa de mudar enfrenta uma forte oposição, vinda em forma de justificativas. A acomodação, portanto, elimina a possibilidade de mudanças a partir da vontade própria.

Existem três tipos de acomodação: física, emocional e intelectual. A mais difícil de lidar é a intelectual. Quando ela aparece, temos:

  • Dificuldade de valorizar nossa bagagem intelectual, ignorando a importância do nosso nome como autoridade intelectual;
  • Dificuldade de falar sobre nós mesmos, preferindo assuntos que não destaquem a nossa presença;
  • Tendência a mentir para justificar decisões que não nos priorizam, nem no uso do tempo, nem do dinheiro;
  • Perda de contato com a nossa criatividade, o que reflete a nossa vida; não nos beneficiamos da nossa experiência e deixamos cair no esquecimento um dia que não se repetirá.

O último item reforça a necessidade de responder por escrito à questão: “O que eu aprendi hoje?”. Ao compreender os sintomas da acomodação intelectual, a pessoa até concorda racionalmente com isso, mas não consegue integrar a sua vida nenhuma atitude inovadora que perdure.

Vovó Rosita sugere introduzir pequenas mudanças diárias, como descobrir novidades no trajeto de casa para o trabalho, receber pessoas ou preparar comidas diferentes.

Essa rotina renovada se mostra importante em todas as idades, mas principalmente nas mais avançadas. A inexistência da acomodação intelectual faz toda a diferença para o bem-estar.

A escritora Lya Luft assim escreveu sobre a idade madura:

(…) mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher. Era um bate-papo com uma plateia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.

E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível… A platéia inteira fez um ‘oooohh’ de descrédito.

Aí fiquei pensando: ‘pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?’

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado ‘juventude eterna’.

Estão todos em busca da reversão do tempo. Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas. Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.

Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa? Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos. Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol. Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face. Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.

Olhe-se no espelho…2

Vamos acender nossos olhares, como nos ensinam Lia Luft e a vovó Rosita.

  1. https://www.instagram.com/nino_kuntsev/ ↩︎
  2. https://www.docelimao.com.br/site/sindromes-do-feminino/308-juventudeeterna.html ↩︎
Sofia Mountian
Criadora da Teoria da Abrangência, fundadora do Instituto Solaris, presidente da ONG Solaris e uma das sócias da Plênita Consultoria. Sofia escreve mensalmente na Revista Solaris.
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