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Superando o estresse

A espécie humana é a única que possui a capacidade de fazer esforços conscientes em prol de seu desenvolvimento (afinal, um cachorro não tem desejos futuros, não é?). Nas palavras de Gurdjieff: “os seres humanos têm a propriedade única de serem potencialmente capazes de fazer os esforços conscientes especiais necessários para ajudar na causa do Absoluto”. No entanto, mesmo essa sendo uma característica inerente a todos nós, esses esforços são normalmente atravancados, ou seja, existem obstáculos que dificultam nosso crescimento individual. Dentre esses obstáculos, com certeza o estresse é o maior deles, indo contra nossa evolução.

Antigamente, o estresse vivido pelo ser humano estava concentrado na defesa de sua sobrevivência, ou seja, o esforço individual não envolvia o sistema nervoso, mas força física. Nesse momento, a dependência do mundo externo era muito menor por parte do indivíduo.

Essa situação foi mudando ao longo dos séculos até chegar ao ponto de hoje, em que nos achamos completamente dependentes do exterior. Estamos fisicamente muito acomodados, pois existe sempre algo ou alguém para fazer o trabalho pesado em nosso lugar. Realizamos pouco, a não ser quando envolvidos em exigências de fora, o que nos gera muito estresse. Parece algo contraditório, mas não é.

A origem do termo estresse, conforme muitos dicionários, é latina (strictus). A versão inglesa da palavra, stress, passou a ser usada desde o século XIV, sendo que, depois do séc. XVI, já circulava com o sentido de um distúrbio fisiológico criado por alguma situação adversa. No século XIX, o termo foi incorporado pela engenharia, indicando a tensão aplicada a um corpo, como uma mola ou um elástico, ou seja: para testar sua resistência, estressava-se o objeto até seu ponto de ruptura.

Enquanto entendido como um mecanismo fisiológico, o estresse é tão benéfico quanto necessário ao corpo. O ser humano aciona-o sempre que se vê numa situação de perigo, quando uma série de respostas do corpo precisa ser desencadeada muito rapidamente para a preservação de sua vida, ou para a manutenção de seu equilíbrio. Assim, é o estresse que permite a adequação a uma situação adversa que pode ser resolvida por meio da ação física. Este tipo de estresse, liberando uma série de substâncias, fortalece a capacidade de resistência do organismo, produzindo níveis energéticos elevados que permitem que ele funcione com grande intensidade e eficiência. Os atletas, por exemplo, se beneficiam muito deste estado.

Mas sabemos que o estresse tem um sentido contemporâneo bem diferente. Enquanto uma forma genérica de patologia, a palavra estresse foi pela primeira vez aplicada pelo médico Hans Selye no livro Stress: a tensão na vida (1959). Nas décadas seguintes, o conceito passou a ser utilizado também pela psicologia. E hoje ele diz de um fenômeno amplo e aceito com unanimidade como um dos mais prejudiciais ao nosso corpo, associando-se a diversos aspectos: fadiga, cansaço, insatisfação, desconforto, adrenalina, tensão, aflição, etc.

No mundo atual, o indivíduo age como um ser superior, mas não sabe lidar com o fracasso, principalmente numa competição desleal. O esforço físico foi substituído pelo mental, que produz o estresse crônico, ou seja, aquele que se estabelece na vida cotidiana, e não mais apenas na hora do perigo. Atuar no mundo passou a significar ter controle mental constante sobre ele. Com isso, a percepção da realidade começou a falhar, principalmente diante da impossibilidade de reagir a uma possível ameaça (a um problema no trabalho, por exemplo). No entanto, o acúmulo de fracassos e de insatisfações provoca grande cansaço e marasmo, que desmobiliza a força individual de superação e a capacidade de contar com a própria presença em situações de perigo, ou de se ter uma reação individual adequada. Assim, uma pessoa que um dia se sentiu especial se vê de repente absolutamente derrotada, chegando à conclusão de que o melhor seria contar apenas consigo mesma. Mas, mesmo assim, ela não consegue fazer isso, pois seu sistema vital, ou sua força interior, está fraca, inadequada para reagir.

O problema atual do ser humano é que, quanto mais protegido pela vida moderna, menos força vital individual ele tem. A força vital é capaz de mobilizar, por meio de uma voz própria de liderança, uma reação desencadeada de dentro para fora. O ser humano perdeu a condição de conviver com situações extremas, de confiar no seu corpo, de aceitar que ele é capaz de se estressar positivamente, digamos assim, na hora oportuna. Um homem contemporâneo ocidental que vive numa grande cidade, por exemplo, dificilmente sobreviveria ao deserto, pois seu comando individual de superação está muito debilitado.

A evolução que objetiva o comando sobre o corpo e a capacidade de reagir a uma situação intensa não tem mais lugar na nossa vida, a não ser num desafio profissional ou esportivo. Caso contrário, não nos sentimos obrigados a resgatar essa capacidade. Pois aí reside nosso grande erro. Nós não temos de sobreviver ao deserto, ser atletas ou nos voltar apenas para a sobrevivência imediata como antes, mas precisamos urgentemente resgatar essa habilidade de reação (agora não mais usada na natureza, mas na Lei Geral, ou seja, na vida socialmente organizada).

Nesse sentido, é fundamental voltarmos uma parte da vida para nós mesmos, o que implica: criar atividades que dependem somente de nossa presença, cuidar da nossa saúde, desenvolver o contato com o nosso corpo, e ter realizações individuais e perceptíveis ao mundo. Um destaque notável no mundo só acontece por meio da disciplina pessoal, pela força de superação nascida da vontade pessoal. Nesse caso, realizamos algo que desejamos. Essa realização imediatamente traz uma sensação de satisfação plena, sendo reconhecida pelo mundo externo (e os níveis de estresse vão caindo…). Por menor que seja o resultado no começo, se mantermos a lembrança no que queremos (seja lá o que for), ele tem condições de crescer e de chegar ao ponto desejado (sobre superação e realização, conversamos em várias colunas, como, por exemplo, em Caminho dos Guereiros.)

O que se quer dizer com tudo isso é que retomar o comando sobre a nossa vitalidade é a melhor arma contra o estresse contemporâneo, independentemente das origens pontuais dele. Quando nossa motivação passa a depender de nós mesmos e começamos a nos realizar individualmente, eliminam-se a fadiga, os problemas de sono, a tensão permanente e outras perturbações que geram doenças perfeitamente evitáveis. O estresse deixa de definir nosso dia a dia, a nossa vida.

Contudo, existe outro obstáculo a ser superado na luta contra o estresse mental: o pensamento estagnado e repetitivo. Existem pensamentos que, se não trabalhados, se alojam na nossa mente em caráter definitivo, sempre lembrando o nosso fracasso, e nunca a nossa realização. E, infelizmente, eles também têm uma habilidade incrível de se reproduzir. O resultado final é o grande medo de errarmos e de nos vermos derrotados novamente. Esse medo impossibilita a decisão de fazer algo, o desejo de querer algo, provocando um estado permanente de inação (mais estresse, portanto). Funciona como um alimento engolido − sem mastigação, digestão e eliminação. O torpor, a irritação e a raiva começam a ser parte integrante da vida. Por isso, é preciso prestar muita atenção nesse aspecto, procurando, se necessário, ajuda específica.

A eliminação do estresse mental e crônico é a maior ação preventiva contra doenças e a chave para um vida mais satisfatória e, por que não, mais feliz. Isso depende de nós e não requer quase nenhum investimento financeiro. Afinal, como Gurdjieff nos disse, temos permissão de nos tornarmos super-homens, o que significa que somos capazes de ter desejos e de realizá-los por meio de nossa força de superação. A simples existência dessa capacidade faz de todo nós seres grandiosos em potencial, só precisamos colocar essa habilidade em prática de forma consciente.

Sofia Mountian
Sofia Mountian dispensa maiores apresentações – criadora da Teoria da Abrangência, fundadora do Instituto Solaris, presidente da ONG Solaris e uma das sócias da Plênita Consultoria. Sofia, no intuito de esclarecer dúvidas sobre a Teoria da Abrangência, o crescimento do ser humano e assuntos de interesse dos solarianos, escreve mensalmente na Revista Solaris.
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