“Acuda, acuda” — gritou o gato do filho da Velma, ele ajudava a mãe, que também desmaiou.
E falava sem parar. Estava desesperado; ajoelhado no chão, segurava a mãe, abanando o rosto dela. Na loucura do momento, pela primeira vez reparei na voz dele. Era horrível. Tinha um ritmo desafinado, aguda como giz que não se entende com a lousa. Três homens entraram pela porta da frente.
Minhas mãos suavam frio, tum tum tum tum tum, meu coração disparou; eu queria gritar mas não tinha voz. Parecia que não escutava mais nada ao meu redor, será que desmaiei e não sei que desmaiei, eu sentia o metal frio tocando meu braço na cadeira onde sentava. Está tudo bem, relaxa, relaxa. Relaxa!
O piano soou gravemente. Um gato branco correu pelas teclas.
Parei de escutar o palpitar do meu coração. Aliás, estava paralisada. A mulher do prefeito chorava deitada no chão.
Uma rajada fria entrou pela sala como o sopro de um Deus bravo ou de Satã. Olhei para o quintal. Jesus!! Um lençol branco cobria o corpo do prefeito no gramado.
O peru, o conhaque e o lençol embrulharam meu estômago. E este cheiro… quem fuma charuto agora? Comecei a passar mal, oh não, não…
Blarrgh.
Vomitei. No sofá de veludo. O gato preto pulou no sofá e começou a fuçar o meu vômito. Foi assim que conheci Manuel, meu anjo que caiu do céu.
“Senhorita? Você está bem? Aqui” — ele me ofereceu um copo de água. Eu aceitei, ele segurou o copo para eu beber, a mão dele esquentou as minhas, que estavam gélidas, a água desceu pela minha garganta como uma fonte de luz, me senti bem instantaneamente. Finalmente consegui falar, “Que Natal dos diabos!”.
“Foi veneno, garanto.” Manuel sussurrou, a voz dele, que voz deliciosa…, acalmou meu corpo, era masculina e suave, “a esposa, garanto”, ele continuou, “crime de paixão. Garanto que ele tinha um caso”, olhou em direção à Velma, “com aquela, a que caiu.”
“Não pense que eu não sabia de vocês” — a mulher do prefeito gritou, agora sentada no chão. O vestido longo aberto para ajudá-la a respirar, a barriga branca aparecendo, “sua vaca, desaforada, sem-vergonha, na noite da Missa de Galo, na minha própria casa?” — esbravejou para a Velma, o rosto vermelho, parecia um pimentão e cuspia quando berrava.
Detetive Manuel, meu anjo que caiu do céu, acertou na mosca. Foi a esposa, um crime de paixão, na noite da paixão de Cristo e na noite em que nos apaixonamos. Foi amor à primeira vista, ele declarou. Comigo foi na primeira mordida; minha avó dizia que se prende um homem pelo estômago, ela cozinhava bem. Eu digo que se prende uma mulher também! A bacalhoada do Manuel… eu sempre amei bacalhoada e romances policiais.
Leia a parte 1.