Cheguei! O que é isto, um gato?
Sim, era um gato deitado na janela, incomodado com a luz do farol do meu carro.
Esta chuva…
Choviam pedras e martelos; a chuva começou a cair mais forte.
Bem agora…
Eu sempre quis entrar nesta casa. Sempre quis ir a uma festa nesta casa. A casa mais nobre da cidadezinha mais nobre para temporadas de férias de inverno e eu agora convidada para a festa mais nobre do ano, o Natal.
O gato preto levantou, espreguiçou e bocejou. Dois homens vestidos de preto na entrada da garagem, seguranças, que chique.
Hora de se molhar, abri a porta e a chuva caiu robusta na minha roupa — ugh. Passei pela fonte, que transbordava. Cheguei no terraço encharcada. As cadeiras de repouso lindas, a decoração de Natal luminosa, mágica. Do terraço vi a lareira, queimando lenha dentro da sala, os sofás de veludo e a árvore de Natal magnífica ao fundo e… um piano? Sim, um piano. Abri a porta.
“Boa noite, bem-vinda, deixe-me ajudá-la?” A empregada pegou minha mochila e sorrindo, “aqui está”, me ofereceu uma toalha.
O barulho de conversas, o calor da lareira, o cheiro de lenha e do pinheiro de Natal me acolheram de imediato, fantástico, olhei ao redor da sala. Reconheci a Madame Petra e seu marido. A Marta e seu namorado. O gato preto da janela passou pelo meu pé. Vi a Velma e seu filho, um outro gato. Ele olhou para mim. Sorrimos. O prefeito e sua primeira-dama conversavam com um padre. Ele fumava charuto, ela de vestido longo e o padre vestido com uma túnica branca com emblemas roxos. Sentei-me, aceitei o conhaque e relaxei. O prefeito me saudou à distância.
“Você deve ser a convidada de Los Angeles?”
“Sim, sou.”
“Como vai o mundo dos esportes por lá?”
Uma merda, pensei. O Lakers tinha perdido pela quinta vez consecutiva e o Rams andava catastrófico e o Dodgers tinha perdido na final, nem me fale. “Mais pra lá do que pra cá” respondi.
Presentes debaixo da árvore — oba, quero um… Reparei nos embrulhos lindos, luminosos, já meio bebinha, quando me levantei.
A ceia natalina foi maravilhosa. Quanto mais se bebia mais se divertia. A comida estava perfeita, eu, que não gosto de peru, amei cada mordida. O prefeito divertidíssimo, falando alto, contando piadas, brindou. Foi aplaudido, ovacionado, como se tivesse marcado um gol. A cidade estava eufórica, o time de futebol local estava nas finais do campeonato júnior.
Caminhar para a igreja fez bem. O ar puro, fresco depois da chuva, amaciou o conhaque e o peru.
Minha cabeça girava… mal sabia eu que ela iria girar muito mais.
Já criança eu era fã da Missa do Galo. Aliás, sempre gostei de galo e de galinha, coisa de infância feliz. Sentada na igreja, olhei para o Cristo gigantesco na cruz, todo iluminado… os mistérios da vida. Esse um dos mais misteriosos. Feliz aniversário, Senhor. Reparei que o prefeito estava ausente durante a missa, sorri, estava trêbado. Reparei que a Velma também não estava por lá, mas o filho dela sim; ele sorriu para mim de novo. Acho que o padre estava meio bêbado também porque a missa me pareceu bem mais rápida que de costume.
O piano tocava de novo na casa por um pianista vestido a rigor. Era uma destas músicas clássicas famosas, acho que Mozart. O gato do filho da Velma sorriu de novo para mim, eita presentão de Natal, pensei.
— AAAAAAAAAAAHHHH!!!!!
Um grito soou do quintal dos fundos. Era a empregada.
O prefeito estava caído. Correria. Meu coração disparou. O prefeito estava morto.
“Ninguém sai desta casa!” ordenou o segurança.
Meu Deus, estou numa novela da Agatha Christie. Minhas mãos suaram frio, senti minha cabeça girar, girar, girar, acho que vou … me segurei numa cadeira, não é possível, sentei. A primeira-dama desmaiou.
PLIM PLIM — já dizia a Rede Globo. Voltem no ano que vem para ler o final do conto…
Boas festas, solarianos!
Que 2023 seja um ano maravilhoso para todos nós.