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Vacinas de mRNA: um marco na medicina moderna

As vacinas de mRNA (RNA mensageiro) representam um dos avanços científicos mais significativos do século XXI, revolucionando nossa abordagem à prevenção e ao tratamento de doenças.

Compreendendo as Vacinas de mRNA

As vacinas de mRNA funcionam de maneira fundamentalmente diferente das vacinas tradicionais. Enquanto as vacinas convencionais utilizam vírus enfraquecidos ou inativados, as vacinas de mRNA contêm instruções genéticas que ensinam nossas células a produzir uma proteína específica do vírus.

Podemos compreender melhor esse processo usando uma analogia: se nossas células fossem uma fábrica, o mRNA seria como um manual de instruções temporário. Este manual ensina a fábrica (nossas células) a produzir um componente específico (a proteína viral) que o sistema de controle de qualidade (nosso sistema imunológico) aprende a identificar e combater.

Quando a vacina de mRNA é administrada, ela fornece às nossas células as instruções para produzir uma parte inofensiva do vírus, geralmente a proteína spike, no caso do SARS-CoV-2. A proteína spike é como uma “chave” que o vírus SARS-CoV-2 utiliza para entrar e infectar as células do nosso corpo.

A vacina de mRNA carrega as instruções para que nossas células produzam cópias dessa proteína spike de forma inofensiva, ou seja, sem a capacidade de causar a doença. É como se a vacina mostrasse ao nosso corpo uma cópia da chave sem a parte que permite abrir a porta.

Nossas células seguem essas instruções, produzindo cópias da proteína. O sistema imunológico, ao detectar essa proteína “estrangeira”, aprende a reconhecê-la e a produzir anticorpos específicos para combatê-la.

Impacto na Pandemia de COVID-19

A tecnologia de mRNA provou seu valor durante a pandemia de COVID-19. A rapidez com que as vacinas foram desenvolvidas e implementadas foi sem precedentes na história da medicina. Em menos de um ano após o início da pandemia, as primeiras vacinas de mRNA contra a COVID-19 estavam prontas para distribuição em massa.

Essa velocidade de desenvolvimento, combinada com a alta eficácia demonstrada nos ensaios clínicos, permitiu uma resposta rápida e eficiente à crise global de saúde. Até 1º de maio de 2024, foram administradas mundialmente 13,58 bilhões de doses de vacinas contra a COVID-19, sendo aproximadamente 2,36 bilhões de doses de vacinas de mRNA. Com base nos óbitos relatados por COVID-19, estima-se que as vacinações preveniram cerca de 19,8 milhões de mortes.

Nos Estados Unidos, estima-se que a vacinação evitou aproximadamente 18,5 milhões de hospitalizações e 3,2 milhões de mortes adicionais, economizando cerca de US$ 1,15 trilhão em custos médicos.

Segurança e Confiabilidade

Apesar da rapidez no desenvolvimento, as vacinas de mRNA passaram por rigorosos testes de segurança. Os ensaios clínicos seguiram todos os protocolos estabelecidos, e as vacinas só foram aprovadas após demonstrarem um perfil de segurança adequado.

Estudos abrangendo 99 milhões de pessoas em oito países confirmaram que os eventos adversos graves são raros. Por exemplo, a miocardite foi observada em menos de 0,01% dos vacinados com mRNA, e a síndrome de Guillain-Barré foi mais frequente com a vacina AstraZeneca, mas ainda rara.

É crucial entender que o mRNA não altera nosso DNA. Ele fornece instruções temporárias às nossas células e é rapidamente degradado após cumprir sua função.

Potencial futuro

O sucesso das vacinas de mRNA contra a COVID-19 abriu caminho para uma série de aplicações potenciais dessa tecnologia. Cientistas estão explorando seu uso no desenvolvimento de vacinas para outras doenças infecciosas, como influenza, Zika e HIV.

Ainda mais promissor é o potencial das vacinas de mRNA no tratamento do câncer. Pesquisadores estão trabalhando em vacinas personalizadas que poderiam instruir o sistema imunológico a reconhecer e atacar células cancerígenas específicas.

Além disso, a tecnologia de mRNA tem potencial para tratar doenças genéticas, fornecendo instruções para a produção de proteínas que estão ausentes ou defeituosas em certos distúrbios.

Reconhecimento pelo Prêmio Nobel

A outorga do Prêmio Nobel de Medicina de 2023 aos cientistas Katalin Karikó e Drew Weissman por suas pesquisas pioneiras que culminaram no desenvolvimento das vacinas de mRNA consagra a magnitude dessa inovação biotecnológica e seu impacto transformador na saúde global. Este prêmio não apenas valida a importância histórica dessa abordagem, mas também destaca seu potencial transformador para o futuro da medicina.

Conclusão

As vacinas de mRNA representam um marco significativo na história da medicina. Elas não apenas foram cruciais no combate à pandemia de COVID-19, mas também abriram portas para uma nova era de prevenção e tratamento de doenças.

Com cada novo avanço, nos aproximamos de um futuro em que doenças antes intratáveis podem ser prevenidas ou tratadas com eficácia. As vacinas de mRNA não são apenas uma ferramenta para combater a COVID-19; elas são o prenúncio de uma nova era na medicina global, prometendo transformar fundamentalmente nossa abordagem à saúde e ao tratamento de doenças.

José Antonio Curiati
Solariano. Médico geriatra. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP. Coordenador da Pós-Graduação de Geriatria do Hospital Sírio-Libanês. Foi supervisor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
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