Várias vezes me falaram que tenho grande conexão com o Além.
Isso ficou claro naquela madrugada, aliás, naquela estação.
Eu morava em Nova Iorque e esperava a minha documentação se oficializar. Eu havia contratado um dos melhores advogados de imigração e o meu greencard estava para sair a qualquer momento. Mas meu pai, já meio doente, no Brasil sofria de saudades. Eu decidi dar de presente para ele uma viagem para NY no Natal, se Maomé não a vai à montanha… Comprei passagem, fiz todos os planos, show na Broadway, Empire State Building, museus, trabalhei várias horas extras e fiz muitos bicos, juntei uma fortuna para financiar a festa. Na retal final, dias antes da viagem, deu problema para conseguir o visto. Ele não trabalhava havia anos, sem renda, complicou, a melhor saída era um visto médico. Para tal, um médico nos EUA tinha de dar um atestado comprovando necessidade médica para a viagem. Onde vou arranjar um médico… bingo! No porão!
No restaurante macrobiótico que eu trabalhava, um lugar bem bacana no Soho, tinha um médico descascando batatas… ele havia largado tudo, perdido todo o dinheiro indo atrás da esposa que havia fugido com os filhos. Consegui a documentação necessária. Por algum motivo que eu não me lembro, eu tinha de passar o documento pela manhã, horário Brasil, madrugada nos EUA, e deveria ser, como tudo na época, via fax, e fax só no trabalho. Era inverno, um frio de doer. Eu morava a dois quarteirões do trabalho que ficava na esquina da 6th Avenue com a Prince Street. Saí de casa às duas da manhã, não tinha alma viva na rua, nenhum carro, o vento forte. A porta do restaurante era de vidro, abria para um foyer, a fechadura ficava embaixo, quase no chão. Abaixei, coloquei a chave, a chave não virou. Tentei outra vez, nada. Mais uma vez, nada, comecei a me desesperar…eles esperavam pelo meu fax.
“Está congelada, senhorita.”
Virei para trás, um homem sorria.
“Eu tenho um spray descongelador, não se preocupe.”
Ele abaixou, passou o spray, o vento soprava nossos cabelos, só eu e ele na rua.
“Pronto, abriu. Sou policial, sempre carrego o spray para emergências…” E, como Batman, sumiu noite adentro.
Na semana seguinte meu pai foi recebido com muita festa no mesmo foyer.