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A arma

Estava lendo um artigo sobre o “Wild West” e me lembrei da minha chegada aqui no “Wild West”. Foi uma chegada notável, uma mudança de 180 graus, literal, fui das margens do Oceano Atlântico, o mais leste possível, para as margens do Pacífico, o oeste total. Era 2008, agosto, em pouco tempo o mundo iria quebrar com os bancos americanos. Eu e minha mala chegamos em Hollywood Hills, uma parte chique da cidade, um morro que tem vista para Hollywood. Minha casa ficava do lado da casa da Joan Collins. O artigo contava como cowboys são homens que têm necessidade de sentir que são de ferro. O que eu conheci de chegada queria ser feito de aço. Foi um casal que encontrei num restaurante na Universal City Walk que ficava perto da minha casa. Eles tinham uma dessas picapes gigantescas e com muito entusiasmo o marido me mostrou seu relógio. “De aço”, ele disse. E contou que, para provar que era de aço da melhor qualidade, ele testou o relógio. Amarrou o relógio na traseira da picape e rodou com ela para cima e para baixo pelo “Valley”, numa estrada de terra. A esposa sorria e ele, muito satisfeito, disse que o relógio sobreviveu ao “rodeio” sem estrago. Eu fiquei sem saber como responder e me lembrei do Central Park.

Tudo parecia um filme, como se eu tivesse entrado no Sunset Boulevard. O tempo mudou, as partes da cidade que eu visitava pareciam perdidas no tempo, quase que abandonadas, poucas pessoas nas ruas, talvez pelo calor de rachar; uma outra qualidade do “Wild West”, o clima árido, eu me acostumei tanto com a aridez que, quando vou à São Paulo, sinto a umidade na hora que saio do avião e… detesto. A casa onde aluguei um quarto para morar era uma mansão. Eu diria que como a mansão do Sunset, um castelo. Morava somente a dona, uma modelo de lingerie e eu. Ela era meio chata, mas cozinhava bem. O filme favorito dela era Gone with the Wild, driblei vários convites, mas uma noite tive de sentar para assistir TV com ela. Depois de tomar alguns copos de vinho, ela me contou do marido francês que estava para voltar em breve, de outras propriedades que eles tinham pela cidade e que dormia com uma arma debaixo do travesseiro.

“O quê?”
“Sim, para me proteger. Já avisei aos meus familiares para não fazer gracinha e aparecer na minha casa no meio da noite quando estiver sozinha…”
A casa dela não tinha piscina como a casa do Sunset Boulevard. Da varanda se via o “quintal” da Universal City, onde fica a casa do Psycho, de Hitchcock. No calor daquele fim de agosto, a imagem dela dormindo com uma arma debaixo do travesseiro me fez realizar: “cheguei no faroeste”.

Daniela Pompeu
Daniela Pompeu, brasileira-americana, neta, filha, sobrinha e irmã de jornalistas, mora em Los Angeles, Califórnia. Graduada em Inglês pelo Hunter College, Nova Iorque, com especialização em Literatura Medieval. Formada em Acting pelo Catherine Gaffigan Studio of Acting, Nova Iorque. Escreve um blog semanal: www.danielawrites.net . Autora dos livros "Tea with Dani", "It's with H, Sir" e "Never Let a Good Crisis Go to Waste, I Can't Stand the Bull Crap".
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