revista solaris

A Dor

Ela ia abrir a porta mas parou. Sentia dor.
Parou. Respirou.
Esperou e rezou.
Rezou devagar como se cantasse um mantra, “Ave Maria, cheia de…”.
A dor passou, ela abriu a porta.
Ele não estava.
Claro.
A sala de estar continuava a zorra de sempre.
A zorra era tão normal que ela o chamava de Zorro. E suspeitava que ele tinha uma vida dupla, que saía mascarado pela rua pelas noites, pelos bares, pelas pernas. Olhou para a direita.
Senhor.
Sentiu um tremor; a porta do quarto dele estava fechada.

“Oi!”
Ela deu um salto.
Era o irmão do Zorro, o Zorrito.
“Tudo bem? Que quieta, nem te ouvi entrar…”
Ela sorriu, fingiu estar bem e abriu a porta do quarto do Zorro.

A cama desfeita, roupas para todo lado, a porta para a varanda aberta, o sol entrava.
“Cadê o seu irmão?”
“Não sei. Pensei que estivesse aqui.”
“Liguei para ele seis vezes e nada.”

O irmão ligou para o Zorro. Sem sucesso.

“São 2 da tarde, ele não voltou para casa?”
“Não sei dizer, Dirce.”
“Estou preocupada.”
“Vou ligar para o Paulo, eles jantaram ontem.”
Ligou. Paulo não respondeu.
Sentaram, apreensivos.
A dor voltou.
“Vamos assistir ao The Office?”
“Vamos.” Ela reclinou a poltrona. A dor continuou.

Quando deram 8 da noite, eles ligaram para a delegacia.
“Se o fulano não voltar pela manhã, volte a nos chamar.”
Eram 8 e meia da noite quando Zorro voltou. Mascarado, com litros de cerveja. Ela suspirou. A dor passou. E terminou a noite jogando pôquer com Zorro e Zorrito.

Daniela Pompeu
Daniela Pompeu, brasileira-americana, neta, filha, sobrinha e irmã de jornalistas, mora em Los Angeles, Califórnia. Graduada em Inglês pelo Hunter College, Nova Iorque, com especialização em Literatura Medieval. Formada em Acting pelo Catherine Gaffigan Studio of Acting, Nova Iorque. Escreve um blog semanal: www.danielawrites.net . Autora dos livros "Tea with Dani", "It's with H, Sir" e "Never Let a Good Crisis Go to Waste, I Can't Stand the Bull Crap".
Compartilhe:

veja também

edições anteriores

outros títulos do autor

Encontro Marcado

Ele sentia o suor nas mãos. A fila andava devagar e a cada passo ele

A arma

Estava lendo um artigo sobre o “Wild West” e me lembrei da minha chegada aqui

O Homem e a Gata

Era verão, mês de agosto, lembrar o ano vai ser difícil, foi no século passado,

Gringa

“Preciso te falar uma coisa… se você não se incomodar…” “O quê? Depende. Sim, me

Escrevendo

Como escrevi no começo do ano AQUI, durante 2025 eu vou me inspirar no livro

Vêm do Além

Várias vezes me falaram que tenho grande conexão com o Além.Isso ficou claro naquela madrugada,